quarta-feira, 22 de julho de 2015

Exausto - Casamento - Adélia Prado


Exausto


Eu quero uma licença de dormir,

perdão pra descansar horas a fio,

sem ao menos sonhar

a leve palha de um pequeno sonho.


Quero o que antes da vida

foi o sono profundo das espécies,

a graça de um estado.

Semente.


Muito mais que raízes.



Adélia Prado


(in "Bagagem" São Paulo: Ed.Siciliano, 1993)



Casamento


Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.


Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.


É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como "este foi difícil"

"prateou no ar dando rabanadas"

e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.


Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.



Adélia Prado 




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