segunda-feira, 3 de agosto de 2015

José Gomes Ferreira - Aquela nuvem - Vivam, apenas - A poesia não é um dialecto - Vai-te poesia


José Gomes Ferreira


Aquela nuvem - José Gomes Ferreira


Aquela nuvem

Parece um cavalo...

Ah! Se eu pudesse montá-lo!

Aquela?

Mas já não é um cavalo,

É uma barca à vela.

Não faz mal.

Queria embarcar nela.

Aquela?

Mas já não é um navio,

É uma torre amarela

A vogar no frio

Onde encerraram uma donzela.

Não faz mal.

Quero ter asas

Para a espreitar da janela.

Vá, lancem-me no mar

Donde voam as nuvens

Para ir numa delas

Tomar mil formas

Com sabor a sal

- Labirinto de sombras e de cisnes

No céu de água - sol - vento - luz concreto e irreal...


Vivam, apenas - José Gomes Ferreira


Vivam, apenas.

Sejam bons como o sol.

Livres como o vento

Naturais como as fontes.

Imitem as árvores dos caminhos

Que dão flores e frutos

Sem complicações.

Mas não queiram convencer os cardos

A transformar os espinhos

Em rosas e canções.

E principalmente não pensem na Morte.

Não sofram por causa dos cadáveres

Que só são belos

Quando se desenham na terra em flores.

Vivam, apenas.

A morte é para os mortos.


A poesia não é um dialecto - José Gomes Ferreira


A poesia não é um dialecto

para bocas irreais.

Nem o suor concreto

das palavras banais.

É talvez o sussurro daquele insecto

de que ninguém sabe os sinais.

Silêncio insurrecto.


Vai-te poesia - José Gomes Ferreira


Vai-te poesia!

Deixa-me ver friamente

a realidade nua

sem ninfas de iludir

ou violinos de lua.

Vai-te, Poesia!

Não transformes o mundo

descarnado e terrível

num céu de esquecer

com mendigos de nuvens

famintos de estrelas

e feridas a cheirarem a cravos

- enquanto os outros, os de carne verdadeira,

uivam em vão

a sua fome de cadeias

e de pão.

Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vida

exacta e intolerável

neste planeta feito de carne humana a chorar

onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos

com bandeiras de lume nos olhos,

para fabricar sonhos

carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia! 



 

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