sexta-feira, 21 de agosto de 2015

António Ramos Rosa - A mulher feliz- Amo o teu túmido candor de astro - Para a Agripina - Figura

 
António Ramos Rosa
 
A mulher feliz

Está de pé sobre as brancas dunas. As ondas conduziram-na
 e os ventos empurraram-na, está ali, na perfeição redonda
 da oferenda. E como que adormece no esplendor sereno.
 Diz luz porque diz agora e és tu e sou eu, num círculo
 Só. Está embriagada de ar como uma forte lâmpada

É uma área de equilíbrio, de movimentos flexíveis,
 um repouso incendiado, a vitória de uma pedra.
 Abrem-se fundas águas e um novo fogo aparece.
 Que lentas são as folhas largas e as areias!
 Que denso é este corpo, esta lua de argila!

Nua como uma pedra ardente, mais do que uma promessa
 fulgurante, a amorosa presença de uma mulher feliz.
 Nela dormem os pássaros, dormem os nomes puros.
 Agora crepita a noite, as línguas que circulam.
 Crescem, crescem os músculos da mais intima distância.

António Ramos Rosa, in Volante Verde , Moraes Editora, 1986

Amo o teu túmido candor de astro
 
Amo o teu túmido candor de astro
 a tua pura integridade delicada
 a tua permanente adolescência de segredo
 a tua fragilidade sempre altiva

Por ti eu sou a leve segurança
 de um peito que pulsa e canta a sua chama
 que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
 ou à chuva das tuas pétalas de prata

Se guardo algum tesouro não o prendo
 porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
 que dure e flua nas tuas veias lentas
 e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar

Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
 para que sintas a verde frescura
 de um pomar de brancas cortesias
 porque é por ti que nasço
 porque amo o ouro vivo do teu rosto.

António Ramos Rosa,in O TEU ROSTO (Pedra Formosa , 1944)

Para a Agripina
 
Amanheceu a minha vida no teu rosto
 De uma doçura intensa e tão suave
 Como se um divino fundo nele brilhasse
 Eu era o que nascia soberanamente leve
 E encontrava na limpideza centro do equilíbrio
 Só em ti cheguei amanhecendo na minha madurez
 Entrei no templo em que a luz latente era a secreta sombra
 Foste sonhada por meus olhos e minha mãos
 Por minha pele e por meu sangue
 Se o dia tem este fulgor inteiro é porque existes
 E é porque existes que se levanta o mundo
 Em quotidianos prodígios
 Em que ao fundo brilha o horizonte certo.

António Ramos Rosa, in O TEU ROSTO (Ed. Pedra Formosa, 1944)

Figura
 
A tua figura desperta a minha energia subtil
e ascende à primeira forma sublime e simples.
Primavera do mundo e aromático barco
e na palma da mão a delicada inicial.

Neste instante as luzes são passagens transparentes
e eu coloco o teu ventre novamente na paisagem.

Venho de ti e vou para ti antes do primeiro jacto
num côncavo seio na cúpula do segredo,
que é tão fechado como a não respiração
e que se abre no rosto dos meus membros.

António Ramos Rosa


 

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