segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Américo Durão - Existo?- Tântalo - O último Soneto


Américo Durão

Existo? - Américo Durão



Cingindo esta mortalha de estamenha

Fiz voto e penitência de morrer,

Sem que os meus braços numa cruz sustenha,

Quando não baste a Fé para os suster!



Sigo, pálido asceta da montanha,

Na bíblia da Minha Alma absorto a ler

Meditações, sobre a tragédia estranha

Dos que passam na vida sem viver…



No meu convento desolado e frio,

Ecoa pelo claustro um som vazio:

Apalpo-me…procuro-me…tacteio…



Alongo os olhos pela sombra fora…

- São os passos de Alguém que Se ignora,

É sempre o mesmo nada, o mesmo anseio!



(Vitral da Minha Dor, 1921)



Eu - Américo Durão



O vago em Mim concebo e realizo,

Vivo no que há-de ser!

A minha vida é feita de impreciso,

E tenho-me esquecido de a viver!



Eu não tenho passado nem futuro.

Sei lá se vivo ou não!

Sou um sonho de Deus, uma visão.

Abraçando na vida um sonho escuro…



Sou o Passado em sombras, e o Futuro em brumas.

Não sou porque não sou, e mais não sei dizer!



- Alegrias são leves como espumas,

Mágoas são vidas no Inferno a arder!



Eu sou, Jesus, o eco do teu medo:

Por isso eu amo as coisas de que tremo…

Se existo, a minha vida é um degredo!

Por minhas mãos de escravo é que me algemo…



Mas não existo…

- Sonho errante de Alguém que muito amou,

Sou a sombra nostálgica de Cristo,

Sou tudo o que há-de vir, e já passou!



"Quem vive?", pergunto eu.

Meus olhos olham a esmo.

Ando a buscar-me no Céu!

- Sou o Sonho de Mim – Mesmo!



(Vitral da Minha Dor, 1917)



Silêncio - Américo Durão



Elegias de som dançam no ar.

São a voz do Silêncio agonizante,

Apercebida apenas no instante,

Em que o Silêncio cansa de falar.



Não há sombra nem luz, e oscilante,

Unge a penumbra Céu e Terra, e Mar!...

Cantos de Salomão, sem os cantar,

Ninguém melhor do que o Silêncio cante!



Ele é a voz das emoções supremas,

Incensos, cantos, orações, poemas,

Em si, tudo condensa e nos traduz!



Cantos da bruma soam doloridos…

Acordam para Além os meus sentidos,

E a sombra do Silêncio abre-se em luz!



(Vitral da Minha Dor, 1917)



Tântalo - Américo Durão



Se alongo um braço esvai-se tudo!... e a vida,

Cadáver que ao mar Jesus lançasse,

Na maré cheia desta dor, vencida

Lembra um astro que o fogo abandonasse!



Cai a chama do Sol adormecida:

Seu lívido clarão me inunda a face…

E acorda de mim tão branco, tão sumida,

Como se nos meus olhos se apagasse!



Impérios, oiro…a tudo ambicionava!

E agora sei que só me torturava

A dor sem nome de nascer vencido…



Quando em meu peito o sol florir um dia,

Já nestas mãos a rosa da alegria

Se desfolhou sem nunca ter abrido!



( Tântalo, Lisboa, 1921 )



O último Soneto - Américo Durão



É esse o meu soneto! – esse que um dia,

Eu prometi solene à minha Raça!

- Se passo, a minha sombra é já quem passa…

E eu nem a minha sombra conhecia!



Levo aos lábios a Morte numa taça

Em ritos da sagrada liturgia!

Tendo no rosto a altiva bizarria

Dos que sabem ser grandes na desgraça!



Já nem a estrela de alva tremeluz…

Amai a sombra e certo dia, ao poente,

Matei o Sol!...O Sol… O Sol… Jesus!



Ó mãe, hei-de igualar-me à outra gente,

Viver!...Anda arrancar-me desta cruz!

Quero viver…e amar – o Sol nascente!



( Tântalo, 1921 )

 


Sem comentários: