Américo Durão
Existo? - Américo Durão
Cingindo esta mortalha de estamenha
Fiz voto e penitência de morrer,
Sem que os meus braços numa cruz sustenha,
Quando não baste a Fé para os suster!
Sigo, pálido asceta da montanha,
Na bíblia da Minha Alma absorto a ler
Meditações, sobre a tragédia estranha
Dos que passam na vida sem viver…
No meu convento desolado e frio,
Ecoa pelo claustro um som vazio:
Apalpo-me…procuro-me…tacteio…
Alongo os olhos pela sombra fora…
- São os passos de Alguém que Se ignora,
É sempre o mesmo nada, o mesmo anseio!
(Vitral da Minha Dor, 1921)
Eu - Américo Durão
O vago em Mim concebo e realizo,
Vivo no que há-de ser!
A minha vida é feita de impreciso,
E tenho-me esquecido de a viver!
Eu não tenho passado nem futuro.
Sei lá se vivo ou não!
Sou um sonho de Deus, uma visão.
Abraçando na vida um sonho escuro…
Sou o Passado em sombras, e o Futuro em brumas.
Não sou porque não sou, e mais não sei dizer!
- Alegrias são leves como espumas,
Mágoas são vidas no Inferno a arder!
Eu sou, Jesus, o eco do teu medo:
Por isso eu amo as coisas de que tremo…
Se existo, a minha vida é um degredo!
Por minhas mãos de escravo é que me algemo…
Mas não existo…
- Sonho errante de Alguém que muito amou,
Sou a sombra nostálgica de Cristo,
Sou tudo o que há-de vir, e já passou!
"Quem vive?", pergunto eu.
Meus olhos olham a esmo.
Ando a buscar-me no Céu!
- Sou o Sonho de Mim – Mesmo!
(Vitral da Minha Dor, 1917)
Silêncio - Américo Durão
Elegias de som dançam no ar.
São a voz do Silêncio agonizante,
Apercebida apenas no instante,
Em que o Silêncio cansa de falar.
Não há sombra nem luz, e oscilante,
Unge a penumbra Céu e Terra, e Mar!...
Cantos de Salomão, sem os cantar,
Ninguém melhor do que o Silêncio cante!
Ele é a voz das emoções supremas,
Incensos, cantos, orações, poemas,
Em si, tudo condensa e nos traduz!
Cantos da bruma soam doloridos…
Acordam para Além os meus sentidos,
E a sombra do Silêncio abre-se em luz!
(Vitral da Minha Dor, 1917)
Tântalo - Américo Durão
Se alongo um braço esvai-se tudo!... e a vida,
Cadáver que ao mar Jesus lançasse,
Na maré cheia desta dor, vencida
Lembra um astro que o fogo abandonasse!
Cai a chama do Sol adormecida:
Seu lívido clarão me inunda a face…
E acorda de mim tão branco, tão sumida,
Como se nos meus olhos se apagasse!
Impérios, oiro…a tudo ambicionava!
E agora sei que só me torturava
A dor sem nome de nascer vencido…
Quando em meu peito o sol florir um dia,
Já nestas mãos a rosa da alegria
Se desfolhou sem nunca ter abrido!
( Tântalo, Lisboa, 1921 )
O último Soneto - Américo Durão
É esse o meu soneto! – esse que um dia,
Eu prometi solene à minha Raça!
- Se passo, a minha sombra é já quem passa…
E eu nem a minha sombra conhecia!
Levo aos lábios a Morte numa taça
Em ritos da sagrada liturgia!
Tendo no rosto a altiva bizarria
Dos que sabem ser grandes na desgraça!
Já nem a estrela de alva tremeluz…
Amai a sombra e certo dia, ao poente,
Matei o Sol!...O Sol… O Sol… Jesus!
Ó mãe, hei-de igualar-me à outra gente,
Viver!...Anda arrancar-me desta cruz!
Quero viver…e amar – o Sol nascente!
( Tântalo, 1921 )
Existo? - Américo Durão
Cingindo esta mortalha de estamenha
Fiz voto e penitência de morrer,
Sem que os meus braços numa cruz sustenha,
Quando não baste a Fé para os suster!
Sigo, pálido asceta da montanha,
Na bíblia da Minha Alma absorto a ler
Meditações, sobre a tragédia estranha
Dos que passam na vida sem viver…
No meu convento desolado e frio,
Ecoa pelo claustro um som vazio:
Apalpo-me…procuro-me…tacteio…
Alongo os olhos pela sombra fora…
- São os passos de Alguém que Se ignora,
É sempre o mesmo nada, o mesmo anseio!
(Vitral da Minha Dor, 1921)
Eu - Américo Durão
O vago em Mim concebo e realizo,
Vivo no que há-de ser!
A minha vida é feita de impreciso,
E tenho-me esquecido de a viver!
Eu não tenho passado nem futuro.
Sei lá se vivo ou não!
Sou um sonho de Deus, uma visão.
Abraçando na vida um sonho escuro…
Sou o Passado em sombras, e o Futuro em brumas.
Não sou porque não sou, e mais não sei dizer!
- Alegrias são leves como espumas,
Mágoas são vidas no Inferno a arder!
Eu sou, Jesus, o eco do teu medo:
Por isso eu amo as coisas de que tremo…
Se existo, a minha vida é um degredo!
Por minhas mãos de escravo é que me algemo…
Mas não existo…
- Sonho errante de Alguém que muito amou,
Sou a sombra nostálgica de Cristo,
Sou tudo o que há-de vir, e já passou!
"Quem vive?", pergunto eu.
Meus olhos olham a esmo.
Ando a buscar-me no Céu!
- Sou o Sonho de Mim – Mesmo!
(Vitral da Minha Dor, 1917)
Silêncio - Américo Durão
Elegias de som dançam no ar.
São a voz do Silêncio agonizante,
Apercebida apenas no instante,
Em que o Silêncio cansa de falar.
Não há sombra nem luz, e oscilante,
Unge a penumbra Céu e Terra, e Mar!...
Cantos de Salomão, sem os cantar,
Ninguém melhor do que o Silêncio cante!
Ele é a voz das emoções supremas,
Incensos, cantos, orações, poemas,
Em si, tudo condensa e nos traduz!
Cantos da bruma soam doloridos…
Acordam para Além os meus sentidos,
E a sombra do Silêncio abre-se em luz!
(Vitral da Minha Dor, 1917)
Tântalo - Américo Durão
Se alongo um braço esvai-se tudo!... e a vida,
Cadáver que ao mar Jesus lançasse,
Na maré cheia desta dor, vencida
Lembra um astro que o fogo abandonasse!
Cai a chama do Sol adormecida:
Seu lívido clarão me inunda a face…
E acorda de mim tão branco, tão sumida,
Como se nos meus olhos se apagasse!
Impérios, oiro…a tudo ambicionava!
E agora sei que só me torturava
A dor sem nome de nascer vencido…
Quando em meu peito o sol florir um dia,
Já nestas mãos a rosa da alegria
Se desfolhou sem nunca ter abrido!
( Tântalo, Lisboa, 1921 )
O último Soneto - Américo Durão
É esse o meu soneto! – esse que um dia,
Eu prometi solene à minha Raça!
- Se passo, a minha sombra é já quem passa…
E eu nem a minha sombra conhecia!
Levo aos lábios a Morte numa taça
Em ritos da sagrada liturgia!
Tendo no rosto a altiva bizarria
Dos que sabem ser grandes na desgraça!
Já nem a estrela de alva tremeluz…
Amai a sombra e certo dia, ao poente,
Matei o Sol!...O Sol… O Sol… Jesus!
Ó mãe, hei-de igualar-me à outra gente,
Viver!...Anda arrancar-me desta cruz!
Quero viver…e amar – o Sol nascente!
( Tântalo, 1921 )
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